segunda-feira, 28 de maio de 2012

Vozes do alto

Em outras partes do Bel Paese homens levantam a voz para defender seu trabalho. No Aeroporto Leonardo da Vinci de Roma, em Fiumicino, pelo menos mil trabalhadores correm o risco de perder o trabalho, segundo denunciam os sindicatos de categoria. A arriscar a pele são os que atuam na Divisione Tecnica Alitalia, por causa de uma controvérsia ligada a trabalhadores da Argol, organização que desde 1994 se encarrega da movimentação de componentes aeronáuticos e da logística relacionadas à operação da companhia aérea Alitalia.

Stefano Monticelli, secretário regional da Filt-Cgil (Federazione Italiana Lavoratori Trasporti) declarou à imprensa que se está diante de uma incongruência: enquanto o aeroporto de Fiumicino assinala um constante crescimento, os trabalhadores vivem diante da ameaça concreta de demissões e precarização. Os dirigentes sindicais ligados ao setor entendem que este problema localizado é apenas a ponta do iceberg de uma situação mais alarmante, relacionada ao desrespeito de cláusulas sociais, o que coloca em perigo também 4500 trabalhadores da Alitalia, atualmente em “cassa integrazione”, e aos quais poderia não ser garantida a recolocação. La “cassa integrazione” é uma ajuda econômica às empresas em dificuldades por parte do governo, que substitui o empregador no pagamento do salário de trabalhadores ou complementa o salário de operários que trabalham em horário reduzido.

O que também preocupa os trabalhadores italianos é que os seus contracheques, segundo estudos do Eurispes, relativos a 2010, estão entre os mais rebaixados da Europa. Entre 30 países, a Itália ocupa o 23º lugar, com um salário médio anual de 21.374 dólares, superando países como Portugal (19.150 dólares por ano). Na classificação da Ocse (Organizzazione per la Cooperazione e lo Sviluppo Economico) entre os dez primeiros classificados se encontram : Coreia do Sul (39.931 dólares anualmente), Reino Unido (38.147), Suiça (36.063), Luxemburgo (36.035), Japão (34.445), Noruega (33.413), Austrália (31.762), Irlanda (31.337), Países Baixos (30.796) e Estados Unidos (30.774).

Comparativamente com outros trabalhadores europeus, os italianos recebem um salário 44% inferior ao de um inglês e 19% mais baixo do que o de um grego. Enquanto os empregados sentem o peso dos salários rebaixados, a pior situação é vivida pelos que não têm nenhum trabalho. Conforme registro do Istituto di Statistica Nazionale, o desemprego, em janeiro de 2012, atingiu a marca de 9,2%, o pior índice desde 2004. A condição mais penosa é a dos jovens: um deles, a cada três em busca de trabalho, não consegue uma ocupação. Para agravar o problema, as novas regras aprovadas no governo Monti, relacionadas à aposentadoria, aumentam o tempo de serviço, forçando os mais velhos a ficarem mais tempo no mercado de trabalho.

Na Itália, mandar um trabalhador para a rua não é tão difícil como em países do norte europeu, como a Alemanha, por exemplo, onde hoje é possível demitir somente por justa causa. E deve ficar ainda mais fácil se forem aprovadas as reformas trabalhistas propostas pelo governo técnico, como a mudança do Artigo 18 do Statuto dei Lavoratori. Tal artigo garante que a demissão é válida apenas se acontece por justa causa ou motivo justificado. Se faltarem tais pressupostos, um juiz do trabalho declara a ilegitimidade do ato e ordena a reintegração do trabalhador na mesma função que ocupava antes.

A mudança que o governo Monti propõe prevê que trabalhadores contratados por tempo indeterminado teriam que passar por um período probatório de seis meses, no qual não seriam tutelados, segundo o que assegura hoje o artigo 18 (reintegração no posto de trabalho e ressarcimento por danos causados em caso de demissão discriminatória).

Isso significa que durante os seis meses probatórios o empregador poderia livremente demitir sem justa causa ou por motivo justifificado. De modo que, sem as garantias do Artigo 18, os demitidos não mais poderiam dirigir-se ao juiz para obter reintegração ou qualquer ressarcimento. Outra grave mudança, mesmo para os que viessem a superar os seis meses de prova, é que a empresa teria a faculdade de demitir por motivos econômicos ou de organização, pagando apenas uma indenização compatível com o tempo de serviço. Só ficariam livres deste perigo os contratados por tempo indeterminado e já tutelados pelo artigo 18.

Enquanto no outro lado do oceano, nos Estados Unidos, um empresário pode mandar embora um empregado sem nenhum problema e sem ter qualquer obrigação de reintegrá-lo, o professor Monti avança no processo de flexibilização das relações de trabalho na Itália. E, para chegar a isso, parece contar com um aliado importante: o presidente da república Giorgio Napolitano.

O governo garante que vai ouvir os representantes dos trabalhadores, separadamente, mas já deixou claro que decidirá sozinho, sem aceitar vetos. Susanna Camusso, líder da Cgil (Confederazione Generale Italiana del Lavoro), em manifestações públicas e declarações à imprensa, tem sido categórica: “No artigo 18 não se toca, sobre este ponto nós não negociamos.” Em encontro com a ministra do Trabalho, Elsa Fornero, a sindicalista disse que a central está disposta a dialogar, desde que o artigo 18 permaneça intocado, pois se trata de uma conquista histórica para salvaguardar os direitos dos trabalhadores e impedir demissões.

Horror econômico

A luta de homens e mulheres para preservar seu trabalho, o drama dos demitidos de todos os cantos, o desespero dos desempregados, as mortes dos “caídos por excesso de ética”, assim como as incontáveis batalhas perdidas por trabalhadores em todo o mundo, fazem pensar no “horror econômico”, expressão criada pela escritora francesa Viviane Forrester,. Ela é autora de numerosos livros, entre eles “L’Horreur Economique”, publicado em 1996, e que em poucas poucas semanas foi comprado por mais de 160 mil pessoas. Traduzida em várias línguas, a obra figurou entre as mais lidas naquele ano, tendo sido erguida como uma bandeira por operários e desempregados em suas manifestações.

Forasteira no mundo dos “metafísicos da economia”, a escritora retrata, no seu denso ensaio sobre o “horror econômico” que massacra os viventes, a angústia da exclusão através do olhar dos desempregados. Deve-se lembrar, escreve a autora de “Uma estranha ditadura” e “O crime ocidental”, como é “pouco importante a sorte das almas e dos corpos camuflados nas estatísticas e usados apenas como um modo de calcular.”

Ao desvelar, com seu texto contundente, a globalização da pobreza, Viviane Forrester faz tremer quando nos leva a constatar que já se superou a fase da exploração do humano gênero até a última fronteira da miséria. Na ótica das potentes classes dirigentes da economia privada, já foi ultrapassado o limiar insustentável em que a multidão de deserdados é simplesmente considerada supérflua.

“Não subalternos nem reprovados: supérfluos E por essa razão, nocivos. E por essa razão...”

sábado, 26 de maio de 2012

A Transposição e a Seca














Pode parecer uma atitude menor de nossa parte reiterar críticas à Transposição nesse momento de seca, afinal, o sofrimento das pessoas e dos animais é infinitamente mais relevante que nossas divergências sobre determinadas obras.


Entretanto, é exatamente em função desse sofrimento, e da busca incessante para encontrar caminhos de solução, que esse debate mais uma vez se coloca na ordem do dia.

Ninguém acaba com a seca. Ela é um fenômeno natural e normal da região semiárida. Portanto, essas matérias sensacionalistas que gostam de falar de “terra esturricada, mata morta, animais morrendo”, revelam ignorância a respeito da região. Ela é assim e assim será. Por isso os índios já chamavam essa mata de “caatinga”, que quer dizer exatamente “mata branca”. Nada está morto, ao contrário, a caatinga hiberna, adormece para enfrentar um período sem chuva. Com as primeiras chuvas tudo volta à vida. Apenas o ser humano e os animais, trazidos de fora, não hibernam. Esses precisam comer e beber, enquanto a natureza se defenda por conta própria.

Mas, se a natureza não muda – a não ser por uma profunda mudança no clima global -, a infraestrutura para adequar o ser humano a essa realidade precisa ser mudada. Essa é a única saída inteligente. Costumamos repetir que os povos do gelo aprenderam a viver com o gelo, os povos do deserto aprenderam a viver no deserto, e que nós já deveríamos ter aprendido a conviver com o semiárido. Essa cultura inovadora está em construção, mas sofre resistências terríveis de quem aprendeu a ganhar poder e riqueza às custas da miséria do povo.

Para quem se lembra, o grande argumento governamental – de marketing – para bancar a Transposição era a proposta de abastecer 12 milhões de pessoas com água potável. Para tal, cunhou-se a divisão do semiárido brasileiro entre “Nordeste Setentrional” e o resto do “Nordeste”. Assim, induzia os incautos a pensarem que o semiárido está restrito ao Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ainda mais, governo e parte da mídia, por desconhecimento ou interesses escusos, afirmavam que a Transposição iria levar água para o “semiárido”, desconhecendo totalmente a pertença da Bahia, Sergipe, Alagoas, Piauí, Maranhão e Norte de Minas ao mesmo semiárido.

Essa seca matou o argumento oficial. A seca começou em território baiano, onde qualquer estudante de geografia do Brasil, ensino primário ou médio, sabe que estão 40% do semiárido brasileiro. A Transposição, mesmo que funcionasse ou venha funcionar um dia, aponta na direção exatamente contrária ao território baiano. Aponta para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

Dr. Manoel Bonfim Ribeiro, por quase uma década diretor do DENOCS, costuma dizer que as águas estocadas na Bahia cabem num único açude do Ceará. Para se ter uma idéia mais precisa, dos 36 bilhões de metros cúbicos de água que podem ser estocados no semiárido, 28 bilhões estão no Ceará. A Bahia possui capacidade para estocar apenas um bilhão de metros cúbicos.

A Transposição continua semiparalisada, a um custo que já supera oito bilhões de reais, sem por uma gota d’água a quem quer que seja. Ao contrário, destruiu açudes e cisternas por onde os canais já passaram, aumentando a penúria da população que esperava aquela água como redenção de suas vidas.

Para completar, o próprio Dr. Bonfim afirma que precisamos fazer a distribuição da água estocada nos açudes. Afinal, segundo informações recentes do governo cearense, os açudes da região estão em média com 70% de sua capacidade abastecida. Portanto, não falta água, falta distribuição. Para ele, temos apenas uma rede de cinco mil km de adutoras no semiárido, quando precisaríamos de 25 mil km para democratizar a água para o meio urbano. Segundo a Agência Nacional de Águas, 1700 municípios do Nordeste precisam de adutoras ou serviços de água para não entrarem em colapso hídrico até 2025.

Já expusemos à exaustão que essa seca, terrível em termos de diminuição das chuvas, mas prevista no clico das secas, ao menos não fará vítimas humanas na extensão daquela de 1982. A perda de safra e animais ainda é inevitável.

Continuaremos defendendo uma proposta sistêmica para todo semiárido, sem exclusões. O caminho é a convivência com esse ambiente, através de uma imensa malha de pequenas obras – se não fossem as cisternas para beber e produzir nesse momento, ainda que seja como depósito de água de pipas, o povo estaria bebendo lama de barreiros -, da agroecologia adaptada, da criação de animais resistentes ao clima, da apicultura, da garantia da terra aos agricultores, assim por diante. Para o meio urbano, a democratização da água através das adutoras, priorizando o abastecimento humano e a dessedentação dos animais.

Temos todos os meios nas mãos. Faltam estadistas que conduzam e aprofundem a revolução na relação com o semiárido. Quando assim for, secas serão apenas fenômenos naturais, não mais tragédias sociais.



Roberto Malvezzi (Gogó)