O
"lá ele" é uma das mais importantes expressões do idioma baianês,
mais especificamente do dialeto soteropolitano baixo-vulgar. Segundo os
léxicos, a expressão significa "outra pessoa, não eu" (LARIÚ,
Nivaldo. Dicionário de baianês. 3ª ed. rev. e ampl. Salvador: EGBA, 2007, s/n).
A
origem da expressão é ambígua. Alguns etimologistas atribuem seu surgimento às
nativas do bairro da Mata Escura, enquanto outros identificam registros mais
antigos no falar dos moradores do Pau Miúdo. O certo, porém é que o "lá
ele" desempenha papel fundamental em um dos aspectos mais importantes da
cultura da primeira capital do Brasil - a subcultura urbana do duplo sentido.
Desde a mais tenra infância, os naturais da Soterópolis são treinados para
identificar frases passíveis de dupla interpretação. Da mesma forma, os
soteropolitanos aprendem desde cedo a engendrar artimanhas para que seu
interlocutor profira expressões de duplo sentido. Assim, as pessoas vivem sob
constante tensão vocabular, cuidando para não fazer afirmações que possam ser
deturpadas pelo interlocutor.
Para indivíduos do sexo masculino, por exemplo, é
vedado conjugar na primeira pessoa inocentes verbos como "dar",
"sentar", "receber", cair", "chupar" etc. O
interlocutor sempre estará atento para, ao primeiro deslize, destruir a
reputação de quem pronunciou a palavra proibida.
Como
antídoto para a incômoda prática, o "lá ele" surgiu como uma
ferramenta indispensável na comunicação do soteropolitano. Assim, o indivíduo
que falar algo sujeito a interpretações maliciosas estará a salvo se,
imediatamente, antes da reação de seu interlocutor, falar em alto e bom som
"lá ele!"
Por exemplo, qualquer homem, por mais macho que seja,
terá sua orientação posta em dúvida se falar "Neste Natal comi um ótimo peru".
Contudo, se sua frase for "Neste Natal comi um ótimo peru, lá ele!",
não haverá qualquer problema. No mesmo diapasão, confira-se:
(i) se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando "vai dar para almoçar hoje?", não se pode redargüir apenas "Sim"; deve-se responder "Vai dar lá ele. Vamos almoçar";
(ii) se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado perguntar ao outro "Já recebeu?", a resposta deverá ser "Recebeu lá ele. Já foi pago";
(iii) ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva: "eu sou do Pau Miúdo, lá ele".
(i) se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando "vai dar para almoçar hoje?", não se pode redargüir apenas "Sim"; deve-se responder "Vai dar lá ele. Vamos almoçar";
(ii) se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado perguntar ao outro "Já recebeu?", a resposta deverá ser "Recebeu lá ele. Já foi pago";
(iii) ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva: "eu sou do Pau Miúdo, lá ele".
Para
melhor compreensão da matéria, reproduz-se abaixo um exemplo real, ocorrido no
último domingo durante a transmissão do épico triunfo (vitória é coisa de
chibungo, lá ele) do glorioso Esporte Clube Bahia sobre o Atlético de
Alagoinhas:
- Locutor: "Subiu o cartão amarelo?"
- Repórter: "Subiu o amarelo e o vermelho."
- Locutor: "Mas você está vendo subir tudo!"
- Repórter: "Lá ele!"
Note-se que o "lá ele" pode sofrer variações de gênero e número, de acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma sessão do TJBA, alguém perguntar "Você conhece os membros da turma
julgadora?", deve-se objetar com veemência: "Lá eles!". Ou se o cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem "Quantas bolas o senhor deseja?", é de todo recomendável que se responda "Duas, lá elas, por favor".
- Locutor: "Subiu o cartão amarelo?"
- Repórter: "Subiu o amarelo e o vermelho."
- Locutor: "Mas você está vendo subir tudo!"
- Repórter: "Lá ele!"
Note-se que o "lá ele" pode sofrer variações de gênero e número, de acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma sessão do TJBA, alguém perguntar "Você conhece os membros da turma
julgadora?", deve-se objetar com veemência: "Lá eles!". Ou se o cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem "Quantas bolas o senhor deseja?", é de todo recomendável que se responda "Duas, lá elas, por favor".
A
cultura duplo sentido oferece outros fenômenos da comunicação interpessoal.
Veja-se, a título de ilustração, o sufixo "ives".
Em
Salvador, não se pode falar palavras terminadas em "u",
principalmente as oxítonas. Independentemente de sexo, idade ou classe social,
o indivíduo poderá ser mandado para aquele lugar (lá ele). A pronúncia de uma
palavra que dê (lá ela) rima com o nome popular do esfíncter (lá ele) será
prontamente rebatida com a amável sugestão.
Para
fazer face ao problema, a vogal "u" passou a ser costumeiramente
substituída pelo sufixo "ives". Destarte, o capitão da Seleção de
2002 é tratado como "Cafives"; o Estádio de Pituaçu virou
"Pituacives"; o bairro do Curuzu se tornou "Curuzives"; a
capital de Sergipe sói ser chamada de "Aracajives"; e as pessoas que
atendiam pela alcunha de Babu, com frequência utilizada na Bahia para apelidar
carinhosamente pessoas de feições simiescas, há muito tempo passaram a ser
chamadas de "Babives".
( autor desconhecido )
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