segunda-feira, 14 de maio de 2012

Sem meias verdades

A crise que se aprofunda fere também sem piedade o mundo feminino, atingindo, entre tantas mulheres, operárias que produziam míticas meias de seda que alimentaram o imaginário de gerações de italianos. Dois dias depois do último natal, cerca de 250 trabalhadoras da Omsa, fábrica localizada em Faenza, na Emilia Romagna, foram presenteadas, através de um fax, com a notícia da demissão. As mulheres foram comunicadas de que, em março de 2012, escancaram-se para elas as portas do desemprego. O estabelecimento industrial vai ser transferido para a Sérvia, onde os custos de produção são mais baixos e o operariado local submetido a um regime de exploração ainda maior.

O otimismo que as trabalhadoras mantinham aceso apagou-se depois que as negociações fracassaram e elas ficaram diante da opção que a empresa lhes ofereceu: ficar em casa ou transferir-se para a Sérvia, sujeitando-se às condições trabalhistas degradadas no país balcânico que a fábrica escolheu para aumentar seus lucros.

Alcançando rapidamente apoio público, as operárias lançaram na Web um apelo ao boicote da empresa, que, através de um comunicado, defende-se, alegando o princípio da “liberdade de empresa”. A Omsa argumenta que o fechamento do histórico estabelecimento de Faenza se deve à agressiva competição dos países com baixo custo de produção, que acolhem os empreendedores estrangeiros com uma cascata de incentivos econômicos.

Autor do livro “Mani bucate” (Editora Chiarelettere, 2011), o jornalista Marco Cobianchi explica que a concorrência não é mais entre empresas livres, mas entre estados nacionais que se enfrentam com golpes de incentivos e subsídios. Ele afirma que não somente o menor custo do trabalho, mas sobretudo a chuva de subsídios, impensáveis em qualquer país da zona do euro, atraem as empresas para países como a Sérvia. Cobianchi, que também escreveu “Bluff, perché gli economisti non hanno previsto la crisi e continuano a non capirci niente” (Orme Editore, 2009), lembra que o motivo da Omsa é o mesmo que levou as empresas Fiat, Generali, Intesa Sanpaolo, Unicredit, Benetton e Fantoni a se transferirem para a Sérvia: os incentivos estratosféricos oferecidos pelo governo daquele país.

Em "Mani bucate", que Cobianchi apresenta como a primeira investigação sobre empresas mantidas com a ajuda do Estado - há uma lista de todos os incentivos que a Fiat obteve quando decidiu reabrir a sua “histórica” fábrica em Kragujevac, o que causou, de fato, o fechamento do estabelecimento de Termini Imerese, na Itália. Ele escreve: “Precisei de três páginas de "Mani bucate" só para per elencar os títulos dos incentivos sérvios à Fiat, que, sintetizando, tratam-se de isenções fiscais que vão dos cinco mil aos dez mil euros anuais para cada vaga de trabalho criada no país (incentivo que também foi oferecido à Omsa); una “free zone” que permite a importação dos pré-fabricados necessários para produzir os carros sem praticamente pagar taxas; nenhum imposto ao município de Kragujevac por dez anos; terrenos gratuitos para o conjunto de pequenas atividades industriais e comerciais que se desenvolverem em torno do grande complexo; vantajosos acordos comerciais firmados pela Sérvia com a Rússia, União Europeia e Estados Unidos que permitem exportação dos produtos para toda aquela área sem pagar taxas.”

As isenções fiscais de cinco a dez mil euros para cada emprego criado faz com que o custo da mão de obra, nos 12 primeiros meses, seja praticamente zerado, considerando que o salário médio de um operário sérvio é de cinco a seis mil euros por ano. E isso não é tudo, pois entre as vantagens há também a isenção por dez anos de impostos sobre os lucros para investimentos superiores a sete milhões de euros ou para empresas que abram frentes de trabalho para 100 novos empregados.

Enquanto isso, como denunciam sindicatos de trabalhadores, as regiões italianas nada fazem para evitar a ida das empresas para fora. Na Emilia Romagna, onde se localiza a Omsa, sequer foi discutido um projeto de lei de 2010, que previa punição para as que fossem embora, revogando incentivos retroativos até dez anos.Enquanto a proposta não sai da intenção e empresas emigram, contraditoriamente, multiplicam-se, patrocinados pela própria região, encontros e seminários. Os eventos servem para esclarecer como é conveniente, por exemplo, “fare business” na Sérvia, onde investimentos diretos gozam de até 25% de financiamentos do governo a fundo perdido. Além disso, outra vantagem é o livre comércio entre a Sérvia e o trio Rússia-Bielorrússia-Czaquistão (170 milhões de pessoas), que permite exportar para aqueles mercados somente pagando reduzida taxa alfandegárias de 1%.


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